Todo ano a revista Science, da American Association for the Advancement of Science elege o que eles acreditam ser a grande sacada do ano. E entre os dez da lista, este ano o achado ficou para as nossas diferenças. Com tanto genoma humano sendo seqüenciado por aí, não demorou muito para se descobrir o quanto somos diferentes do ponto de vista genético. E a diferença observada não se trata apenas de um sujeito ter um azinho enquanto o outro tem um azão. É muito mais que isso. O que está ficando cada vez mais claro é que além de possuirmos formas diferentes para genes comuns à nossa espécie, temos também doses diferentes destes genes, que podem também estar até arrumados de modos diferentes. Tem gente com mais de uma cópia de um gene X, outros que tem o gene Y virado de cabeça pra baixo, outros com o gene Z intercalado pelo gene W... E diferente do que se possa pensar, estas diferenças não caracterizam nenhuma doença. São diferenças que ocorrem mais do que frequentemente, e em indivíduos ditos normais. Mas então qual seria o padrão de um genoma humano normal? O que poderíamos usar como parâmetro? Pois é... não tem nem padrão e nem parâmetro que explique ou que ilustre o quanto somos diferentes. Talvez seja exatamente esse o maior legado de nossa herança genética. O que nos torna possível enquanto espécie é exatamente a diferença que existe entre nós e a unicidade de cada um.
Como as formiguinhas de um grande formigueiro ou as abelhas de uma colméia, só fazemos qualquer sentido se juntos. Mas diferente delas, ainda temos muito o que aprender.
Link para o Breakthrough of the Year, na revista Science.
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Quem canta, seus males espanta
Wind Wenders

Quatro anos depois de filmar o testamento de Nicholas Ray e paralelamente à rodagem de Paris Texas, Wim Wenders resolveu prestar um tributo a Yasujiro Ozu (1903-1963). Viajou a Tóquio com equipe mínima e olhar afiado para perceber o que ainda restava do Japão descrito nos filmes de Ozu e o que estava irremediavelmente perdido. Acabou fazendo um dos primeiros filmes sobre a globalização.
Tokyo-Ga significa Imagens de Tóquio. Em 1983, vivia-se a primavera do virtual e do simulacro. Junto com as cerejeiras, floresciam em Tóquio as telas, os videowalls (lembram?), a estética dos mangás, a imitação dos EUA entre os garotos rockabilli de Harajuku. WW não se preocupava em passar informações. Apenas passeava e refletia pelas lojas barulhentas de pachinko, os bares de Shinjuku. Detinha-se com compreensível espanto em duas atividades definidoras daquela era: o arremedo de golfe em massa praticado em terraços de prédios ou num estádio; e a fabricação de pratos artificiais para vitrines de restaurantes.
Para WW, o excesso de imagens e o vazio de conteúdo anunciavam um novo tempo, bastante distinto do Japão familiar e recatado dos enredos de Ozu. Como escreveu na época o crítico Vincent Canby, talvez Wenders tenha simplesmente procurado Ozu nos lugares errados. Mas Ozu, claro, é também um pretexto para aferir o estado da civilização das imagens. A imagem bruta e descontextualizada perde o sentido como um filme no avião sem os fones de ouvido. Diante de uma tela de TV, Wenders sintetiza a mecânica da globalização: "A TV virou o centro do mundo. O Japão fabrica TVs para o mundo ver as imagens dos EUA". Pronto, disse tudo.
Wenders encontra-se com Werner Herzog no alto da Torre de Tóquio: quanto precisaremos subir para encontrar imagens puras?, pergunta-se o romântico amante das montanhas. Do encontro com Chris Marker, não ficou mais que uma raríssima exposição (assim mesmo parcial) do rosto desse elusivo pensador da imagem (veja à direita).
Mas a homenagem a Ozu não é apenas motivo para toda essa série de reflexões. Ela responde também pelo outro pólo de Tokyo-Ga. O filme abre e fecha com a abertura e o desfecho de Viagem a Tóquio, uma das obras-primas de Ozu. Dois grandes blocos são dedicados a entrevistas com o ator Chishu Ryu e o cinegrafista Yuuharu Atsuta, que acompanharam quase toda a carreira de Ozu. Eles contam detalhes deliciosos sobre o trabalho com o mestre. A reverência emocionada com que falam de Ozu, mesmo quando é a respeito de seu temperamento difícil, diz muito do que WW está querendo tratar com esse filme sobre a perda de substância e de uma certa ordem que faziam do mundo um lugar mais nobre.
Yuuharu Atsuta demonstra o estilo de Ozu
Esse olhar de Wenders, em obras posteriores, se revelaria um tanto estereotipado e redundante, mas aqui ainda repercute com o frescor das descobertas. Nunca, talvez, como nesse filme e em Nick’s Movie o cineasta expôs tão claramente – e na primeira pessoa – a sua filosofia moralista da expressão audiovisual.
Tokyo-Ga carrega o subtítulo de Um Diário Filmado. Era uma mania de WW nessa época. Um ano antes, ele havia apresentado o curta Reverse Angle, um apanhado de anotações sobre livros, quadros, o trabalho de montagem de Hammett e ruminações sobre sua passagem da Europa para a América. Em 1989, voltaria ao Japão com o estilista Yoji Yamamoto e integraria a moda a seu campo de considerações em Notas Sobre Cidades e Roupas. O cinema, nesse período, era para Wenders uma forma de viver e um instrumento de pensar.
Obs.: O DVD de Tokyo-Ga vem desprovido de extras e a imagem fullscreen deixa entrever uma perda em relação ao quadro original. A parte da filmagem feita em 16mm faz-se sentir na qualidade da reprodução.
Tokyo-Ga significa Imagens de Tóquio. Em 1983, vivia-se a primavera do virtual e do simulacro. Junto com as cerejeiras, floresciam em Tóquio as telas, os videowalls (lembram?), a estética dos mangás, a imitação dos EUA entre os garotos rockabilli de Harajuku. WW não se preocupava em passar informações. Apenas passeava e refletia pelas lojas barulhentas de pachinko, os bares de Shinjuku. Detinha-se com compreensível espanto em duas atividades definidoras daquela era: o arremedo de golfe em massa praticado em terraços de prédios ou num estádio; e a fabricação de pratos artificiais para vitrines de restaurantes.
Para WW, o excesso de imagens e o vazio de conteúdo anunciavam um novo tempo, bastante distinto do Japão familiar e recatado dos enredos de Ozu. Como escreveu na época o crítico Vincent Canby, talvez Wenders tenha simplesmente procurado Ozu nos lugares errados. Mas Ozu, claro, é também um pretexto para aferir o estado da civilização das imagens. A imagem bruta e descontextualizada perde o sentido como um filme no avião sem os fones de ouvido. Diante de uma tela de TV, Wenders sintetiza a mecânica da globalização: "A TV virou o centro do mundo. O Japão fabrica TVs para o mundo ver as imagens dos EUA". Pronto, disse tudo.
Wenders encontra-se com Werner Herzog no alto da Torre de Tóquio: quanto precisaremos subir para encontrar imagens puras?, pergunta-se o romântico amante das montanhas. Do encontro com Chris Marker, não ficou mais que uma raríssima exposição (assim mesmo parcial) do rosto desse elusivo pensador da imagem (veja à direita).
Mas a homenagem a Ozu não é apenas motivo para toda essa série de reflexões. Ela responde também pelo outro pólo de Tokyo-Ga. O filme abre e fecha com a abertura e o desfecho de Viagem a Tóquio, uma das obras-primas de Ozu. Dois grandes blocos são dedicados a entrevistas com o ator Chishu Ryu e o cinegrafista Yuuharu Atsuta, que acompanharam quase toda a carreira de Ozu. Eles contam detalhes deliciosos sobre o trabalho com o mestre. A reverência emocionada com que falam de Ozu, mesmo quando é a respeito de seu temperamento difícil, diz muito do que WW está querendo tratar com esse filme sobre a perda de substância e de uma certa ordem que faziam do mundo um lugar mais nobre.
Yuuharu Atsuta demonstra o estilo de Ozu
Esse olhar de Wenders, em obras posteriores, se revelaria um tanto estereotipado e redundante, mas aqui ainda repercute com o frescor das descobertas. Nunca, talvez, como nesse filme e em Nick’s Movie o cineasta expôs tão claramente – e na primeira pessoa – a sua filosofia moralista da expressão audiovisual.
Tokyo-Ga carrega o subtítulo de Um Diário Filmado. Era uma mania de WW nessa época. Um ano antes, ele havia apresentado o curta Reverse Angle, um apanhado de anotações sobre livros, quadros, o trabalho de montagem de Hammett e ruminações sobre sua passagem da Europa para a América. Em 1989, voltaria ao Japão com o estilista Yoji Yamamoto e integraria a moda a seu campo de considerações em Notas Sobre Cidades e Roupas. O cinema, nesse período, era para Wenders uma forma de viver e um instrumento de pensar.
Obs.: O DVD de Tokyo-Ga vem desprovido de extras e a imagem fullscreen deixa entrever uma perda em relação ao quadro original. A parte da filmagem feita em 16mm faz-se sentir na qualidade da reprodução.
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