Wind Wenders


Quatro anos depois de filmar o testamento de Nicholas Ray e paralelamente à rodagem de Paris Texas, Wim Wenders resolveu prestar um tributo a Yasujiro Ozu (1903-1963). Viajou a Tóquio com equipe mínima e olhar afiado para perceber o que ainda restava do Japão descrito nos filmes de Ozu e o que estava irremediavelmente perdido. Acabou fazendo um dos primeiros filmes sobre a globalização.
Tokyo-Ga significa Imagens de Tóquio. Em 1983, vivia-se a primavera do virtual e do simulacro. Junto com as cerejeiras, floresciam em Tóquio as telas, os videowalls (lembram?), a estética dos mangás, a imitação dos EUA entre os garotos rockabilli de Harajuku. WW não se preocupava em passar informações. Apenas passeava e refletia pelas lojas barulhentas de pachinko, os bares de Shinjuku. Detinha-se com compreensível espanto em duas atividades definidoras daquela era: o arremedo de golfe em massa praticado em terraços de prédios ou num estádio; e a fabricação de pratos artificiais para vitrines de restaurantes.
Para WW, o excesso de imagens e o vazio de conteúdo anunciavam um novo tempo, bastante distinto do Japão familiar e recatado dos enredos de Ozu. Como escreveu na época o crítico Vincent Canby, talvez Wenders tenha simplesmente procurado Ozu nos lugares errados. Mas Ozu, claro, é também um pretexto para aferir o estado da civilização das imagens. A imagem bruta e descontextualizada perde o sentido como um filme no avião sem os fones de ouvido. Diante de uma tela de TV, Wenders sintetiza a mecânica da globalização: "A TV virou o centro do mundo. O Japão fabrica TVs para o mundo ver as imagens dos EUA". Pronto, disse tudo.

Wenders encontra-se com Werner Herzog no alto da Torre de Tóquio: quanto precisaremos subir para encontrar imagens puras?, pergunta-se o romântico amante das montanhas. Do encontro com Chris Marker, não ficou mais que uma raríssima exposição (assim mesmo parcial) do rosto desse elusivo pensador da imagem (veja à direita).

Mas a homenagem a Ozu não é apenas motivo para toda essa série de reflexões. Ela responde também pelo outro pólo de Tokyo-Ga. O filme abre e fecha com a abertura e o desfecho de Viagem a Tóquio, uma das obras-primas de Ozu. Dois grandes blocos são dedicados a entrevistas com o ator Chishu Ryu e o cinegrafista Yuuharu Atsuta, que acompanharam quase toda a carreira de Ozu. Eles contam detalhes deliciosos sobre o trabalho com o mestre. A reverência emocionada com que falam de Ozu, mesmo quando é a respeito de seu temperamento difícil, diz muito do que WW está querendo tratar com esse filme sobre a perda de substância e de uma certa ordem que faziam do mundo um lugar mais nobre.
Yuuharu Atsuta demonstra o estilo de Ozu
Esse olhar de Wenders, em obras posteriores, se revelaria um tanto estereotipado e redundante, mas aqui ainda repercute com o frescor das descobertas. Nunca, talvez, como nesse filme e em Nick’s Movie o cineasta expôs tão claramente – e na primeira pessoa – a sua filosofia moralista da expressão audiovisual.
Tokyo-Ga carrega o subtítulo de Um Diário Filmado. Era uma mania de WW nessa época. Um ano antes, ele havia apresentado o curta Reverse Angle, um apanhado de anotações sobre livros, quadros, o trabalho de montagem de Hammett e ruminações sobre sua passagem da Europa para a América. Em 1989, voltaria ao Japão com o estilista Yoji Yamamoto e integraria a moda a seu campo de considerações em Notas Sobre Cidades e Roupas. O cinema, nesse período, era para Wenders uma forma de viver e um instrumento de pensar.
Obs.: O DVD de Tokyo-Ga vem desprovido de extras e a imagem fullscreen deixa entrever uma perda em relação ao quadro original. A parte da filmagem feita em 16mm faz-se sentir na qualidade da reprodução.

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