Habib

Fatuch. Salada de legumes frescos, hortelã e pão sírio torrado. Foto: Alex Silva/AE
O habib (querido, em árabe) gosta do Brasil. Gosta tanto que se apossou de bairros inteiros em São Paulo. Habibs também gostam de fazer negócio. Está no sangue, faz parte da cultura ancestral de entreposto mundial de especiarias, tecidos e artesanato.
O Líbano foi o grande mercado a céu aberto do mundo antigo, e o libanês se orgulha disso. Os primeiros imigrantes chegaram ao Brasil há 130 anos - a data começa a ser comemorada amanhã em São Paulo. Muitos deles vieram para cá no século 19, fugindo da pobreza. À época, o país ainda estava sob o comando do império turco-otomano e, por isso, os imigrantes viajavam com passaporte turco, "o passaporte do inimigo". Vem daí o fato de eles, ainda hoje, serem chamados de turcos. Aqui os libaneses se estabeleceram, apesar da barreira da língua, atuando principalmente no comércio.
E, mesmo depois da onda imigratória, o libanês continua chegando ao Brasil, a ponto de a comunidade libanesa (considerando-se os imigrantes e seus descendentes) superar a população no Líbano: chegam a quase 7 milhões, enquanto no país de origem são pouco mais de 4 milhões. As crises políticas sucessivas no Oriente justificam a partida ininterrupta. Mas o que liga, tão fortemente, os dois países?
A resposta, o Paladar desconfia, pode estar na mesa. O brasileiro se apropriou do quibe e da esfiha como se fossem seus. "Lembro de ter ouvido o Lula dizer que, quando criança, lá no Nordeste, um dos pratos que mais comia era quibe", conta o filho de libaneses do Vale do Bekaa Mamede Mustafá Jarouche, professor de língua e cultura árabes na Universidade de São Paulo.
Confira a receita:
Receita do Fatuch
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Molhados e perfumados
O dono do restaurante Abu-Zuz, Pierre Moujaes, conta que levou um susto quando chegou a São Paulo, em 1972. "Vi quibe e esfiha sendo servidos em vários restaurantes japoneses do Paraíso. O sabor era muito bom, mas o tempero não era igual ao de Choueir, minha cidade natal."
"Na minha aldeia é assim que se faz", aliás, é a resposta típica do libanês. "O Líbano tem dimensões de um grande bairro paulistano (10 mil km²), mas cada região tem sua forma de fazer os pratos típicos. O gosto é bem diferente, mas a base é a mesma", diz o professor Roberto Khatlab, da Notre Dame University, em Louaize, no Líbano.
Cosmopolita como Beirute, São Paulo promoveu um encontro de tradições entre os patrícios - termo usado por eles para se referir aos conterrâneos. Foi no Brasil que Moujaes conheceu uma receita diferente do refogado libanês de quiabo, tomate e cebola. Sua mulher, a filha de libaneses Mari Ambar, por sua vez, aprendeu com o marido o que era mulukhie - folha com a qual se faz o prato de mesmo nome.
E o cultivo do mulukhie, ironicamente, coube aos agricultores japoneses, de quem Hassan Mohamad Moussa, da Casa Líbano, compra a verdura. "Sempre demos um jeito de conseguir os ingredientes. Os parentes traziam, importávamos sumac, pimentas. E hoje existe produção local."
Histórias como essa fizeram com que a cozinha libanesa no Brasil fosse muito além do fast food abrasileirado de quibes e esfihas. Restaurantes popularizam pratos com carne de carneiro, grãos, coalhadas, frutas secas, verduras e legumes.
Sem falar nos condimentos, como o "sete temperos" ("b’har helo"), em que o doce e o picante se unem em combinações locais que nenhum cozinheiro revela. Só mesmo os cedros milenares conhecem.

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