Vinicius de Moraes II

Conversamos com duas das ex-mulheres de Vinicius. Gilda Mattoso e Gesse Gessy.

CULT - Você foi a última mulher de Vinicius, e ele lhe dedicou "Gilda"... Gilda Mattoso - "Gilda" é, na verdade, uma música, uma valsa que ele cantou pra mim, de surpresa, no meu aniversario em 1979 no teatro TUCA, em São Paulo, durante a temporada do show 10 Anos de Toquinho e Vinicius. Eu estava na platéia e ele anunciou a canção. Depois eles gravaram a música no último CD que Vinicius lançou: Um pouco de ilusão.

CULT - Você já conhecia o Vinicius há tempos, antes de se casar com ele. Teve de esperar acabar o casamento com Gesse e também aquele com Martita. Como foi essa história de amor, em termos de intensidade? G. M. - Eu, desde muito nova, era louca por ele e, às vezes o via na TV e dizia "se um dia eu vier a me casar, vai ser com o Vinicius" para desespero de minha mãe. Quando o conheci pessoalmente, esse amor e essa admiração só fizeram crescer. Nossa relação foi construída aos pouquinhos e era muito forte o que sentíamos um pelo outro. A morte dele deixou um vazio enorme em mim e praticamente me impediu de refazer minha vida afetiva.

CULT - Lendo as biografias de Vinicius, pareceu-me que você ficou com o que muitos diriam ser a pior parte, pois pegou Vinícius muito doente e meio ranzinza pela situação. Mas também parece que ele encontrou em você uma resposta a todos os males, à velhice etc. O que acha? G. M. - Não considero o pior, pois ele não estava assim tão doente, tanto que fizemos duas viagens maravilhosas para o exterior, saíamos muito com nossos amigos e recebíamos também, passamos boas temporadas em São Paulo, em Guarapari, enfim, eu amava minha vida ao lado dele. Comigo, ele não era nada ranzinza e se sentia muito bem, pois tinha certeza do meu amor e dedicação incondicionais. Ele tinha tanta certeza de que ficaríamos juntos para sempre, que me apresentava como sua "viúva"!!! Tenho um pouco de revolta que tenhamos vivido tão pouco tempo juntos para tanto amor.

CULT - E é verdade que ele lhe deu um carro cheio de flores como presente de casamento ?G. M. - Sim, eu deixei minha vida na Europa para vir viver com ele e, quando cheguei em nossa casa, tinha um Fiat parado na porta e dentro do carro, havia centenas de flores e um cartão escrito: "Deus disse: - Fiat Lux! E eu digo: agora só falta a Gildinha dentro do Fiat! Com todo o meu amor, Vinicius." Eu desabei de tanto chorar de emoção. Ele fez ainda uma chuva de arroz quando eu entrei em casa.



CULT - Você talvez tenha sido a mulher que mais influenciou Vinicius, que mais o mudou. O que você acha?Gesse Gessy - Não influenciei Vinicius de propósito. Ele dizia: preciso de você, da sua baianidade. E eu me envolvia com a carioquice dele. Mas falam muito absurdo de Vinicius na Bahia. Ele, por exemplo, nunca foi ligado ao candomblé. Fez os sambas-afro, naturalmente, na atmosfera da Bahia. Ele conversava muito com os pescadores, ficou empolgado com um mestre de capoeira.

CULT - O que você faz para colocar as coisas no lugar, para restabelecer a verdade dos tempos com o poeta? G. G. - Guardei muita coisa, tenho fotos, documentos, cartas, e escrevi um livro. Conto como ele era dentro de casa, no dia-a-dia, como era um deslumbrante ser humano, conto muitas histórias.

CULT - E como foi essa relação entre vocês dois, pelo que se diz, baseada na liberdade?G. G. - Vinicius teve liberdade, teve amor, livre do que oprimia a vida dele. Chego à conclusão de que Vinicius recebeu mais do que deu. Quando nos casamos, Vinicius estava mais em um momento de receber que de dar. Vinicius queria aprender, conhecer. Seu encontro com a mãe Menininha do Gantois, por exemplo. Ele ficou fascinado por ela, com a coisa do candomblé. Mas aquilo de que falaram é falso: Vinicius nunca foi a Arembepe, nunca fumou maconha. Ele ia à praia, mas só quando o sol estava baixo, adorava a conversa fiada com os pescadores. Ele estava em paz: ninguém o estava cobrando de nada na Bahia. Pude dar tudo isso a ele.

CULT - E o que você recebeu em troca?G. G. - Eu acho que fui bem amada. Que me perdoem as outras, fui muito bem amada. Em quantidade e em qualidade.

CULT - Foi amor à primeira vista?G. G. - Sim. Em 1969, fui em uma festa no bar Pizzaiolo, em Ipanema, com Maria Bethânia. Vinicius iria deixar suas mãos no cimento do lugar. Primeiro, eu não queria ir, disse a Bethânia: é festa de intelectual, uma chateação. Mas Bethânia insistiu e fomos. Quando sentei, vi que Vinicius estava bem em frente e não tirava o olho de mim. Daí, ele mandou um garçom me entregar um papel com o telefone dele. Bethânia me apresentou a ele, que transpirava. A coisa foi combinada, todo mundo se levantou da mesa e acabei ficando sozinha com ele. Depois fomos passear na praia (esticaram na boate Flag e Vinicius usou todas as armas da sedução, até deu uma canja, cantando "Minha namorada").

CULT - E o que aconteceu depois desse encontro?G. G. - Eu voltei para a Bahia, quando cheguei, minha casa era uma floricultura. E recebi um telegrama: "Você quer casar comigo?"

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